quinta-feira, 28 de março de 2013

Henry Jenkins: “O maior desafio é eliminar a ideia que as tecnologias farão todo o trabalho por nós”



A seguir, você pode ler a entrevista do pesquisador Henry Jenkins, dos EUA, dada para o livro Educación y tecnologías: las voces de los expertos (2011).

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Qual papel o Estado deve desempenhar no processo de alfabetização digital?
Na atualidade, a emergência de tecnologias móveis e digitais ocorre de maneira desigual ao redor do mundo. Como muitos autores estão discutindo, as tecnologias encerram um paradoxo: aqueles países que buscam frear a adoção destas novas plataformas e práticas se isolam do desenvolvimento econômico e das correntes de pensamento, ainda que o fluxo de informação provoque mudanças sociais, políticas e culturais que são imprevisíveis.
Já temos visto alguns resultados dessa contradição nos últimos meses, com as dramáticas transformações no mundo árabe, com o crescimento das expectativas de uma geração que, conectada ao mundo global, pressiona as rígidas estruturas de poder e as tradições culturais.
Além disso, a natureza das mudanças digitais assume formas diferentes, dependendo dos contextos culturais em que ocorrem. Não conheço em profundidade os programas de inclusão digital na América Latina, mas estou especialmente interessado no contexto de uma região que preserva suas vibrantes tradições folclóricas no século XXI, e cujas tradições interagem com as dimensões mais participativas da cultura web. De acordo com essas variáveis, não pode haver uma única abordagem para a educação digital (media education). Cada sistema educativo deve desenvolver sua própria abordagem, que reflita as realidades de cada país.
Na minha opinião, os países mais esclarecidos enfatizaram a centralidade da alfabetização com as novas tecnologias no campo educativo do século XXI. Porém, buscaram também aproximações harmônicas com suas culturas, refletindo as condições econômicas e as tradições políticas de suas nações, que os ajudem a preparar os jovens para um futuro cada vez mais global.
O foco está menos nas tecnologias do que nas novas práticas culturais e mentalidades

Como a inclusão das TICs impacta nas escolas?
No meu entender, o foco está menos nas tecnologias do que nas novas práticas culturais e mentalidades que têm se desenvolvido ao redor das novas ferramentas e plataformas tecnológicas.
Muitas vezes há a presunção de que tudo o que temos que fazer é conectar a aula ou dar um laptop a cada criança, e desse modo o trabalho está feito. Não me interpretem mal. Isto é um grande passo para qualquer Estado, porém aprender a como usar as ferramentas é somente o primeiro passo.
Estas ferramentas estão transformando vários aspectos de nossas vidas, e como resultado temos que repensar cada tema que ensinamos na escola. Precisamos de um sentido ampliado do que a alfabetização significa. Algo que envolve a capacidade de pensar, ler, aprender e comunicar a partir de um campo de meios cada vez mais estendido; um sentido que inclua a habilidade de trabalhar com simulações e visualizações, de misturar e recircular o conteúdo midiático de forma significativa, para participar em grandes redes e produzir conhecimento, num modelo colaborativo.
Essas habilidades e mentalidades são tão vitais que, num sistema onde a tecnologia é limitada, podemos até fazer progressos pelo ensino destes hábitos na mente. Uma vez que adquirem essas habilidades, as pessoas poderão saber o que fazer quando finalmente as ferramentas chegarem às suas mãos. Muitas vezes, as escolas usam essa falta de tecnologia como uma desculpa para não atender as demandas de alfabetização dos cidadãos numa sociedade hiperconectada (networked society).

Como as TICs transformam as maneiras de ensinar e de aprender?
Não há nada inevitável a esse respeito. As ferramentas por si mesmas não fazem muito. Certamente, a internet expande nosso acesso à informação e as ferramentas digitais nos proporcionam novas capacidades para criar e compartilhar. Por exemplo, podem ser usadas de modo que reforcem as velhas práticas educacionais e facilitem o processo de aprendizagem; ou de maneira criativa, lúdica, imaginativa, com o objetivo de dar poder aos jovens e permitir que eles sigam suas paixões e interesses.
Atualmente, ao redor do mundo, temos visto como o PowerPoint se converte em uma ficha ilustrativa/mnemônica (flash card) e os podcasts são usados como uma versãohigh tech de um relatório bibliográfico. O que teríamos que estar vendo é o uso dessas ferramentas para estimular os jovens a comprometer-se a encontrar seu interesse a partir delas, para convencê-los nas redes e plataformas que utilizam.
Precisamos usar as ferramentas para promover a experimentação e a inovação
Precisamos usar essas ferramentas para promover a experimentação e a inovação, por vezes na forma de jogo, o que diminui o risco de errar e estimula as pessoas a assumirem riscos que as levem a novas descobertas.

Quais tendências pedagógicas devem ser consideradas ao permitir o acesso à internet em instituições educativas?
No meu relatório para a Fundação MacArthur, “Confronting the Challenges of a Participatory Culture: Media Education for the 21st Century” (2006), destaco uma série de habilidades e desafios centrais que o educador enfrenta quando prepara os jovens para o cenário das novas tecnologias.
Atualmente, o projeto New Media Literacies está desenvolvendo novos modelos curriculares e abordagens de desenvolvimento profissional, que acreditamos que funcionam para a alfabetização digital. No coração disso está o que chamamos de aprendizagem participativa (participatory learning) e que definimos com base em cinco características. Em primeiro lugar, nossa abordagem começa com a ideia de expandir a ecologia da aprendizagem, de modo a incluir todo o campo de experiências que os jovens têm dentro e fora da aula, incluindo seu jogo informal com a tecnologia.
Em segundo lugar, queremos criar um espaço de coconfiguração de saberes, em que professores, estudantes, pais e diretores (administrators) aprendam entre si enquanto navegam em um espaço pouco familiar mas emergente.
Além disso, buscamos criar uma cultura de aprendizagem que dê um alto valor à criatividade e à imaginação dos estudantes, e que busque expandir suas capacidades expressivas.
Também focamos naquilo que motiva os estudantes a aprender, e que tem a flexibilidade de responder a seu compromisso pessoal.
Finalmente, trabalhamos com materiais autênticos, que tenham significado para os estudantes e que emerjam de suas experiências de vida, em lugar de ter propósitos puramente instrutivos.

Como o planejamento da aula se modifica com a incorporação das TICs?
Eu iria mais além do planejamento da classe, para incentivar os docentes a reimaginar o que é a aula, não apenas em seu aspecto físico, mas sim de modo a incluir a comunidade em que vivem os estudantes, e a aprender das amplas redes digitais através das quais podem interagir.
A isso é o que nos referimos quando falamos da ecologia da aprendizagem; um espaço mais poroso em que os estudantes podem compartilhar experiências fora da aula que sejam significativas como parte de sua aprendizagem; onde possam obter os saberes que necessitam, inclusive quando vão mais além dos recursos de uma única escola, e onde os alunos e professores estão conectados a uma comunidade maior, até global, com a qual compartilham os mesmos interesses.

Quais tipos de conteúdos e atividades podem ser trabalhados com as TICs numa aula?
Há múltiplas possibilidades e exemplos. Podemos imaginar o valor dos jogos e da simulação na aula de história, como forma de incentivar os jovens a refletir sobre perguntas do tipo “o que aconteceria se”; questionamentos que lhes permitem entender a lógica profunda das análises históricas, em lugar de simplesmente reproduzir os dados do passado.
Podemos pensar, também, que o uso de ferramentas de visualização em ciências naturais permitirá aos estudantes fazer perguntas originais e trabalhar séries de dados complexos em busca de respostas.
Ou que o uso de práticas mistas em arte servirá para que os jovens possam desenvolver um entendimento profundo de como os artistas se comprometem com os materiais da cultura que os rodeiam, e que utilizam como recurso para sua expressão individual e coletiva.
E podemos imaginar o YouTube como um arquivo que nos proporciona diferentes materiais a que de outras forma seria impossível consultar.
Temos a sorte de que alguns estudantes façam suas próprias contribuições à Wikipédia e defendam o saber que compartilharam, apesar dos desafios, enquanto que no processo aprendam mais sobre a investigação como prática do que sobre a informação como produto.

Nesse contexto, que lugar deve ocupar o docente, como tutor ou guia do estudante?
Os professores têm que se despojar da aura da autoridade absoluta quando ingressam num mundo em que ninguém sabe tudo
Os professores têm que se despojar da aura da autoridade absoluta quando ingressam num mundo em que ninguém sabe tudo, e em que todos têm valor potencial para contribuir.
Agora mesmo, os docentes são prejudicados pela ansiedade, porque sabem que seus estudantes têm maiores ou, pelo menos, diferentes conhecimentos do mundo online.
Porém numa classe baseada na coconfiguração da expertise, isso pode permitir aos estudantes compartilhar seu saber e aprender dos outros. Isso não significa que o docente seja deslocado de sua tarefa, mas sim que assume um papel de guia ou mentor, de alguém que monitora a aprendizagem do estudante; dá retroalimentação ao seu desempenho; o ajuda a relacionar-se com os novos recursos e oportunidades; e, no processo, aprende ao seu lado.

Como os docentes poderiam ser convencidos a adotar um papel de aprendiz sem perder a posição de autoridade?
Muitos professores têm demonstrado uma enorme capacidade de aprendizagem. É uma pena que vários deles deixem de aprender quando se tornam docentes. A melhor maneira de estabelecer sua autoridade em uma classe mais participativa é moldar seu próprio processo de aprendizagem, para mostrar capacidades de exploração e crescimento, que é o que espera ver em seus alunos.
Isso é o contrário do que geralmente mostrávamos a nossos estudantes. Atuamos como se já soubéssemos tudo, como se a aprendizagem fosse um produto e não um processo, como se se chegasse a um ponto em que não fosse necessário aprender mais. Se a vida no século XXI nos ensinou algo, é a ideia de que a aprendizagem é um processo que dura toda a vida.

Nesse contexto, é possível aproveitar os saberes dos estudantes sobre as TICs na aula?
Absolutamente, mas requer a vontade de ser flexível e a capacidade de improvisar. É por isso que usamos o termo play (jogar) para descrever nossos programas de formação de professores (a sigla de Participatory Learning and You), porém o usamos também para destacar que as escolas devem converter-se em lugares de jogo.
Nosso grande obstáculo são as provas padronizadas, que fizeram das escolas lugares sem diversão
Os pesquisadores que escrevem sobre o jogo falam do “círculo mágico”, uma atitude mental que emerge quando diminuímos as consequências que as ações normalmente envolvem, e quando encorajamos as pessoas a se arriscarem, sabendo que podem falhar.
Nosso grande obstáculo são as provas padronizadas, que fizeram das escolas lugares sem diversão, onde a criatividade e o assumir riscos, associados ao jogo, são desestimulados. Mas se começamos a ter uma atitude mais lúdica, podemos criar um espaço em que os estudantes sintam-se mais confiantes na opção de compartilhar o que sabem entre si, e onde possam construir juntos habilidades e saberes.
Jogar dá a cada um a permissão para experimentar e suspender algumas das regras que normalmente dominam a aula.

Qual papel cumprem as famílias no processo de inclusão das TICs, especialmente aquelas que pertencem aos setores vulneráveis?
Parte da consideração de uma ecologia da aprendizagem é o reconhecimento de que os pais e as famílias têm um papel vital para apoiá-lo e possibilitá-lo.
As famílias possuem conhecimentos e tradições locais que são parte vital da vida das crianças. Os pais tem saberes que os filhos devem adquirir para exercer julgamentos no novo e complexo ambiente em que estão ingressando.
Frequentemente, essas coisas são vistas como obstáculos para aprendizagem (como o passado, que deve ser deixado de lado para o ingresso no futuro), mas são, ao contrário, a base a partir da qual a aprendizagem deve se desenvolver.
Os pais devem ser recrutados como parte plena do processo de aprendizagem. Assim como se ensina aos jovens a respeitar e assumir as responsabilidades sobre suas habilidades emergentes, os pais devem ser respeitados e assumir a responsabilidade por aquilo que transmitem a seus filhos. Além disso, é necessário que existam tarefas que incentivem os jovens a aprofundar a história de sua própria família e da cultura de sua comunidade, para que possam compartilhar o que aprenderam com os demais por meio da escola.
E os docentes precisam identificar os saberes dos pais, e buscar incorporá-los mais dentro da aula para que possam compartilhar o conhecimento com outros jovens que queiram aprendem o que eles têm para oferecer.

Quais as expectativas sobre o Modelo 1 a 1?
A introdução das novas tecnologias pode produzir uma transformação impactante, mas somente se é acompanhada de mudanças fundamentais na cultura escolar
A introdução das novas tecnologias pode produzir uma transformação impactante, mas somente se é acompanhada de mudanças fundamentais na cultura escolar. Os jovens podem ter relações significativas e profundas com os meios digitais e com as comunidades online, ou podem usá-las de um modo superficial e banal que os distraia mais do processo de aprendizado.
Eles necessitam de adultos que os ajudem e guiem, por meio de relações mais produtivas com as redes e a informação, e adultos com a mente aberta, capazes de apreciar e valorizar os tipos de aprendizagem apaixonadas e conectadas socialmente, que ocorrem quando os jovens encontram seu caminho até um lugar especial dentro do mundo online.

Quais desafios as escolas enfrentam na sociedade da informação e do conhecimento?
O maior desafio é eliminar a ideia que as tecnologias farão todo o trabalho por nós, em lugar de vê-las como um recurso que pode ser mobilizado de modo a transformar a cultura de aprendizagem escolar.
O outro desafio é continuar crescendo, em lugar de acreditar que as soluções que funcionam hoje continuarão funcionando amanhã, tendo em conta os modos pelos quais as redes e os computadores aceleraram a inovação em todos os aspectos de nossas vidas.
As escolas são, geralmente, espaços mais conservadores que transformadores para os jovens estudantes. Necessitam ser, ao invés disso, ambientes que os ajudem a preparar-se para um mundo que está em constante transformação.

Fonte: http://blog.midiaseducacao.com/2013/03/henry-jenkins-o-maior-desafio-e.html

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