segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Mudanças do MEC na educação a distância gerarão nova onda de competitividade e ampliação da oferta em 2014

A previsão é de João Vianney, consultor e especialista em EAD, que elogia o novo marco legal para instituições que praticam educação não presencial
Da revista Ache Seu Curso
Dono de um bom-humor marcante e de um raro conhecimento na área de educação a distância, João Vianney, membro do Conselho de Ética da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) e consultor associado da consultoria Hoper, não tem dúvidas ao garantir que 2014 será um ano de expansão acelerada da educação a distância no Brasil. Ele diz isso com base nas mudanças no marco legal do setor e do enfoque governamental para o tema, além do contexto educacional do país. "O governo sacudiu o pé de jabuticaba" em 2013, diz Vianney, o que resultará na ampliação da competitividade no próximo ano, com mais oferta de vagas.
Nesta entrevista exclusiva à revista Ache Seu Curso, Vianney detalha quais são essas mudanças e afirma que não há mais motivos para o governo federal deixar de conceder aos alunos de cursos a distância recursos como os do financiamento estudantil.
Qual é o cenário que está se desenhando na educação a distância no Brasil?
A comunidade que trabalha com ensino superior a distância vinha criticando o MEC desde 2008 por ter "congelado" a regulação da EaD num pacote de regras originadas da imposição de um modelo único de educação a distância derivado dos moldes estabelecidos no Rio de Janeiro pela direção do CEDERJ. Ali o que valia como referência era uma grande estrutura de polos de apoio presencial, com salas de aulas, salas de informática, bibliotecas, secretaria, tutores presenciais e uma carga de atividades a serem feitas pelos alunos nestes locais.
Qual é o problema com esse modelo de expansão?
Os processos da EaD dentro do MEC ficaram amarrados ao modelo de polo, criando uma burocracia interminável.  Não se observava a qualidade da aprendizagem e os resultados alcançados pelas instituições. O foco era na estrutura de polo, e isto indiretamente terminava por privilegiar instituições que tivessem mais capital disponível para atender às exigências absurdas que a antiga Secretaria de Educação  a Distância do MEC colocou em campo e que os ministros da educação engoliram como se verdade fosse.   O País perdeu o foco na busca da qualidade da aprendizagem, na pesquisa avançada para produção de conteúdos e de atividades, no desenvolvimento de bases digitais para consulta remota, e no relacionamento virtual entre os estudantes e entre estes e os professores tutores a distância.
E o que mudou?
Felizmente, meia década depois, o Ministério da Educação acordou.  Já em 2012 o MEC acelerou a tramitação de processos com pedidos de Credenciamento para EaD que estavam parados ou se arrastando pelas prateleiras desde 2008 e 2009, e deu início a processos de reconhecimento de cursos de graduação a distância de instituições de ensino superior que estavam nesta espera desde 2008. E, sem que elas tivessem os cursos reconhecidos, estavam impedidas pelas normas de crescer e competir.
No começo de 2013, em janeiro, o MEC radicalizou positivamente. Sacudiu o pé de jabuticaba e lançou logo em janeiro duas portarias que foram um marco de ruptura com o cenário anterior. Com a Portaria Normativa 1/2013 o MEC criou um calendário público para que as instituições pudessem entrar com pedidos de credenciamento para EaD, de reconhecimento e criação de cursos, de criação de novos polos de apoio presencial. E, mais importante do que colocar as datas para dar entrada nos pedidos, colocou também datas para concluir os processos.  Esta decisão foi absolutamente republicana e colocou uma gestão equiparada entre todas as IES, públicas e privadas.
Além disso, com a Instrução Normativa 1/2013, editada pela Secretaria de Regulação e Supervisão do Ensino Superior (SERES), foi criado um modo mais objetivo de se proceder a visitas de comissões verificadoras em polos de apoio presencial. Antes desta portaria as IES eram obrigadas a receber romarias de comissões em polos e que iam lá para ver as mesmas coisas. Desperdício de tempo, de dinheiro, e um retardo enorme para o País.

A melhor e mais importante novidade surgiu em maio de 2013, com a Nota Técnica 309, editada pela SERES, e que assumiu a validade dos indicadores do SINAES como suficientes para reconhecer ou não cursos de graduação a distância. A regra era clara, mas o MEC nunca tinha colocado em prática. A Lei 10.861  e o Decreto 5.773 permitem que o MEC utilize os conceitos do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) e do CPC para efeito de regulação e de supervisão.  É assim no mundo inteiro. Se os alunos de um determinado curso fizeram o ENADE, e ficaram na média, ou acima da média nacional, é porque o curso está dentro dos conformes.
Que resultados isso pode produzir?
A regra foi aplicada e mais de 40 faculdades, universidades e centros universitários que estavam "congelados" pelo MEC desde 2008 tiveram cursos de graduação a distância reconhecidos e passaram a ter direito de pedir expansão em número de polos para poder crescer. Sem ter os polos é impossível para o aluno fazer as provas obrigatórias. Agora, todas as instituições que tiveram cursos credenciados vão poder expandir. Foi como a luz do Sol entrando pelas persianas do MEC. Valeu mais que o gol do Neymar na partida contra o Japão, no começo da Copa das Confederações.
Com as atitudes tomadas pelo MEC em 2013 teremos uma ampliação da oferta de EaD a partir de 2014. Grandes parcelas da população que não tinham ainda acesso à EaD passarão a ter. E, como novidade em metodologia e em tecnologia está o fato de que as principais instituições que trabalhavam com o modelo de 'aula uma vez por semana no polo' estão criando um segundo canal de entrega de cursos para os alunos, com um modelo 100% online.  Não significa que elas vão abandonar o modelo de tele-aulas ou de polos de apoio presenciais. Não é disso que se trata. O fenômeno é que elas também vão oferecer cursos 100% a distância, que é na verdade a essência da EaD contemporânea no mundo inteiro.
O governo tem agora que cumprir uma meta de chegar a 33% dos jovens entre 18 e 24 anos na graduação até 2020? Que contribuição a educação a distância pode dar?

O Governo Federal trabalhava até o final do governo Lula com a meta de chegar a dez milhões de alunos em 2020. Com a Dilma Rousseff na presidência a meta do novo Plano Nacional da Educação passou para 13 milhões de alunos na graduação em 2020, pois este seria o número compatível com 33% dos jovens de 18 a 24 anos naquela data. Em 2011, a EaD ocupava 992 mil das 6,7 milhoes de matrículas na graduação. Isto representava 14,75% do total de alunos desse nível.

Se de fato conseguirmos chegar aos dez ou treze milhões de alunos em 2020 poderemos ter na EaD algo como 1,5 milhão ou até mesmo dois milhões de alunos em graduação. Já seria uma contribuição imensa para o desenvolvimento do País.
Uma das questões em discussão é a liberação do FIES para alunos de cursos a distância, o que hoje é proibido. O que acontecerá com o mercado educacional quando isso for aprovado?
O futuro é uma incógnita, mas dá para admitir que a velocidade de crescimento da EaD pode crescer um pouco com o FIES. Não será um salto como já tivemos no passado, porque o mercado já é superofertante em algumas praças, que estão congestionadas. O preço das mensalidades da EaD é 50% menos na EaD em relação ao presencial, e isto foi um diferencial importante desde 2001 e até 2013. Mas, com o FIES no ensino presencial anunciando "estude agora e pague depois" o diferencial competitivo da EaD neste quesito de preço ficou muito prejudicado. Não existe justificativa para o MEC não colocar o FIES na EaD.
Este conjunto de medidas é uma real mudança de posicionamento do governo ou um ajuste pragmático? 
As mudanças que o MEC fez na regulação da EaD são uma resposta tardia, porém necessária. Se acreditarmos que elas são apenas pragmáticas, pontuais, estaremos fazendo o jogo de quem odeia a EaD e que deixou a bola parada tanto tempo. As atitudes da nova equipe da SERES têm sido consistentes desde o começo de 2012, com a nova velocidade na tramitação dos processos. Quando eles perceberam em 2013 que estavam presos a uma rede de malhas cruzadas, onde você entra e nunca sai, mudaram por completo. Esta é a minha convicção para que o trabalho das comissões de revisão do marco legal no MEC e no INEP seja de fato inovador.

Hoje o Brasil passa vergonha nos fóruns internacionais. Os conferencistas da Open Universty, de Athabasca, das universidades norte-americanas e da Ásia fazem conferências magistrais sobre como o cérebro do estudante funciona, sobre como fazer com que um conteúdo de alta complexidade seja apreendido pelos estudantes na educação a distância. E os antigos gestores da EaD no MEC chegavam e diziam com o peito cheio "temos 600 polos". Ao invés de trabalhar com aprendizagem, o MEC estava focado em estrutura física. Nem a EaD do século XIX pensava isso nos tempos iniciais na Inglaterra e nos Estados Unidos. Já em 1.890 a preocupação era com a plasticidade da aprendizagem.
Que setores no ambiente educacional serão os mais beneficiados com essas 
mudanças? 
Os maiores benefícios se dividem em quatro dimensões. Aprendizagem, pesquisa, tecnologia e competitividade. Na primeira delas, a da aprendizagem com flexibilidade, ganham os alunos e todo o país. Os alunos poderão estudar de onde estiverem, recebendo conteúdo digital e kits de experimentação para que mesmo em situações de isolamento possam desenvolver o seu conhecimento com apoio da estrutura didática remota da instituição, independente de ter que ir num polo uma vez por semana.
Na pesquisa, ganham os professores dedicados à pesquisa científica, que voltarão a ter liberdade ara investigar como estabelecer processos didáticos e com mediação por tecnologia para produzir nos alunos a melhor condição cognitiva, de atitudes e de aqisição de habilidades para aprendizagem.
Na inovação tecnológica, o Brasil perdeu praticamente uma década. Ainda que o 'modelo Cederj' esteja caindo de moda dentro do MEC, houve por seis anos o congelamento da liberdade de experimentação na EaD, provocando o desmonte de laboratórios avançados de inovação nas universidades públicas e privadas. A pesquisa mudou para as empresas que produzem educação corporativa, hoje muito à frente das universidades. Praticamente o único núcleo universitário preservado foi o da Univerisdade Federal do Ceará, onde o professor Mauro Pequeno conseguiu institucionalizar um departamento completo de EaD na universidade, e assim fugiu das amarras do MEC no período de 2007 a 2011. 
Quanto à última questão, na educação privada os efeitos da nova fase de regulamentação no MEC vão produzir uma nova onda de competitividade. Mais instituições serão credenciadas, e aquelas que já estão trabalhando direito e que têm bons indicadores de ENADE vão ter autorização para expandir. A competição pode garantir um preço baixo para os alunos. E a regulação pela qualidade verificada protege os interesses difusos da sociedade por uma educação de boa performance.

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