quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Celular na escola: vilão ou aliado pedagógico?

Manter atenção do aluno diante do avanço desta tecnologia tem sido 
um desafio para instituições de ensino
POR LILIANE TUROLLA
Educadores têm dificuldade para prender atenção de alunos só com métodos tradicionais
Educadores têm dificuldade para prender atenção de alunos só com métodos tradicionais
O uso de dispositivos móveis em sala de aula, como smartphones e tablets, é um assunto polêmico para estudantes, educadores e pais. O que poderia ser uma importante ferramenta pedagógica tem comprometido o rendimento dos alunos. A falta de limites por parte das crianças e dos adolescentes é apontada pelos professores como a vilã dessa história. Algumas escolas da cidade fecharam o cerco ao uso dos aparelhos. Mesmo com punições mais severas, os alunos insistem no uso. Por outro lado, há também os estabelecimentos que integram as novas mídias ao processo do aprendizado. No ano passado, a Unesco lançou um guia defendendo o uso das tecnologias na educação, mostrando diversas maneiras de aproveitá-las e incorporá-las na sala de aula. No entanto, em vários locais do Brasil, inclusive em Juiz de Fora, vigoram leis que proíbem o uso de celulares e similares durante as aulas. Lidar com a proliferação e com o avanço dessas tecnologias, que cada vez são mais necessárias e presentes, tem se tornado um grande desafio não só para as instituições de ensino, mas para todos.
Em setembro, o Colégio Academia, após várias tentativas de conter o uso desenfreado dos celulares dentro de sala, lançou uma circular que, além de proibir o uso do dispositivo durante as aulas, prevê suspensão aos alunos que insistirem em usá-los. É recomendado que o celular seja mantido guardado e desligado, caso essa norma não seja cumprida, o aparelho é recolhido e fica guardado no Serviço Disciplinar até o final da última aula do dia. O estudante também recebe uma advertência. Na segunda repreensão, além da retenção do aparelho, o aluno será suspenso das aulas do dia seguinte, sem direito de realizar a segunda chamada de avaliações aplicadas. A partir da terceira reincidência, a suspensão será por três dias.
Excessos
A maioria dos pais apoia as medidas, entretanto, alguns estudantes não se inibem com ela. Conforme a assessoria de comunicação da escola, desde que a norma entrou em vigor, 17 celulares já foram retidos. “O celular não é apenas combatido, a escola reconhece o valor dessa tecnologia e estimula o uso nos horários apropriados. Os professores mostram para as crianças que o celular pode ser útil na vida delas não só como entretenimento, mas como ferramentas de ensino fora de sala.”
Para pais e educadores, o excesso de uso e a falta de compromisso com o aprendizado por parte do aluno são as principais barreiras para que as mídias digitais sejam incorporadas ao ensino. “A proibição é, sim, uma medida drástica, mas a escola não tem mais o que fazer. Antes de proibir, vários outros métodos são testados, mas nossas crianças e adolescentes estão cada vez mais sem limite, sem respeito, deixando o colégio de mãos atadas. Conversar, muitas vezes, não adianta, eles acham que estamos pegando no pé”, declara a psicopedagoga Vivian Silveira.
A consequência mais grave da dispersão causada pelo uso dos celulares durante a aula é, segundo a psicopedagoga, a queda de rendimento escolar. “As notas despencam, e os pais vão cobrar da escola, mas não percebem que, na maioria das vezes, isso é um reflexo das ações deles com seus filhos.” De acordo com ela, a vida atribulada e corrida, com pouco tempo hábil para os filhos, cria pais extremamente permissivos, que tentam compensar a ausência com bens materiais e pouca cobrança.
Dinamizar o espaço
Mesmo com a maioria dos educadores enfatizando os efeitos negativos, a professora da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora das relações entre educação, comunicação e tecnologias inovadoras do CNPq, Vani Moreira Kenski, é contra a proibição e defende o uso pedagógico das novas mídias. Segundo ela, esse tipo de experiência vem trazendo mudanças consideráveis e positivas para a educação dos países mais desenvolvidos. “No Brasil ainda não se tem essa visão da tecnologia como ferramenta de ensino, aqui ainda predominam o quadro-negro, o papel e a voz do professor. Os dispositivos poderiam ser usados para dinamizar o espaço de ensino e aprendizagem. O currículo escolar não absorve o avanço tecnológico, mas a cabeça do jovem da geração digital está ligada em tudo que é lançado no mundo, ele quer fazer parte dessa mudança, pois isso faz parte da realidade dele”, reflete.
No entanto, Vani pondera que nem tudo são “maravilhas” quando se trata de estreitar os laços dessas relações. “As novas tecnologias devem transformar radicalmente a escola nas próximas décadas. Estamos no início dessa era revolucionária e, durante um bom tempo, vamos pagar um preço alto por esse pioneirismo. Teremos que passar por muitos problemas e desafios individuais e coletivos.”

‘Há coisas que fogem do controle’

O uso abusivo de smartphones e similares em sala de aula acontece, principalmente, na faixa etária entre 14 e 17 anos. “Com os adultos não temos problemas, mas com os adolescentes, sim, e são muitos”, afirma a professora e coordenadora pedagógica das escolas municipais Oswaldo Veloso e Rocha Pombo, Maria da Glória Cobucci. De acordo com ela, mesmo com o respaldo da Lei Municipal 11.890, que, desde 2009, proíbe o uso desses dispositivos durante a aula, a maioria dos colégios não consegue controlar os alunos. “Há coisas que fogem do nosso controle, eles fazem filmagens indevidas no banheiro, usam fones de ouvido enquanto escrevemos no quadro. A gente pede para tirar, mas eles não tiram.”
A responsabilidade sobre os dispositivos também preocupa os centros de ensino. “Tivemos um caso em que o aluno perdeu o celular, e a mãe veio cobrar da escola, nos agrediu verbalmente e queria que revistássemos todas as mochilas. Nosso compromisso é com o ensino, não com os objetos pessoais”, conta Maria da Glória.
Já a competição por melhores modelos de aparelhos também é um problema ressaltado pela psicopedagoga Vivian Silveira. “Eles querem saber se o celular do amigo é melhor, não querem ter um inferior. Eles estão em época de formar seus valores, essa disputa pode reverter a percepção do que merece ou não ter importância.”
O que eles dizem
Embora considere a proibição “chata”, Kaio Florentino Rampinelli, 14 anos, admite entender a medida restritiva. “Mesmo se for só para dar uma olhadinha, depois a gente fica lembrando daquilo que viu e não concentra mais. Quando o professor toma o aparelho, a gente fica com raiva, mas lá no fundo entendemos que é para o nosso bem”, concorda o adolescente.
Já Tiago Duque, 16, é contra a proibição. Segundo ele, as escolas têm uma “visão ultrapassada” sobre as tecnologias e mídias digitais. “As pessoas mais velhas não entendem que as mais novas usam os smartphones para tudo, não é só lazer. No meu iPhone, tenho aplicativos que me ajudam com o português, às vezes, entendo mais com eles do que com os professores.”
O Colégio Nossa Senhora do Carmo desenvolve um trabalho de conscientização sobre os uso adequado das mídias digitais. “Não é só proibir, adolescentes precisam ouvir e entender o porquê”, diz o professor e assessor da escola Paulo Pacheco. Segundo ele, a restrição entra na rotina dos alunos, e eles a acatam. Para atrair a atenção dos estudantes, são usadas várias metodologias, como recursos audiovisuais e aulas fora da sala.
De acordo com a professora da Faculdade de Educação da USP, Vani Moreira, as escolas deveriam repensar seus modelos pedagógicos. “Não tem como negar as novas tecnologias e suas importantes funções. Além disso, o jovem da geração digital tem a necessidade de independência e autonomia a tudo, inclusive ao conhecimento. Quando o assunto interessa, eles buscam no ambiente on-line ou aprendem entre si, a construção do saber passou a ser coletiva. Eles não estão interessados em ser o melhor aluno do colégio, mas têm sede de conhecimento. A escola tem que explorar isso, mesmo que aos poucos.”

Unesco cria guia para conectar escola

Um guia com recomendações e motivos para usar os celulares como recurso educacional foi lançado no ano passado pela Unesco. O manual é voltado para os governos que pretendem ou desejam implementar políticas públicas para incorporar os dispositivos em sala de aula. Ele surgiu da constatação de que, mesmo considerando o uso das tecnologias algo pedagogicamente importante, muitos governos não sabiam por onde começar.
Conectado com as novas metodologias de ensino, o proprietário e diretor administrativo do curso de idiomas Sistema 3, Vico Lopes, seguiu as orientações da Unesco e utiliza os gadgets com os alunos. De acordo com ele, ignorar as funções e utilidades que os dispositivos móveis acumulam significa limitar o acesso a conteúdos mais amplos da teoria passada em aula. “O professor tem liberdade e é estimulado a usar a tecnologia para ilustrar os exemplos e mostrar variedades de sotaques, por exemplo. Além disso, há momentos em que a internet já nos ajudou na solução de imprevistos”, destaca.
Vico ressalta, ainda, que muitas turmas criam grupos no Facebook para discutir o conteúdo abordado em sala. “Eles compartilham textos e discutem a matéria. A internet só potencializa o aprendizado, pois alimenta o cérebro com estímulos culturais, linguísticos, visuais e sonoros.”
No entanto, ele alerta que o aluno que deixa de fazer um exercício ou perde uma explicação importante em sala precisa ser advertido para que volte a se concentrar na aula. Mas o professor também precisa entender o motivo dessa distração. “Os mecanismos existem, nossa função é usá-los com educação. Às vezes, fazer uma concessão ao uso pode ser o único meio para retomar a atenção do aluno.” 

Veja a seguir um infográfico com recomendações e motivos para se usar as tecnologias móveis em sala de aula: 
Fontes: http://porvir.org/10-dicas-13-motivos-para-usar-celular-na-aula/
http://www.tribunademinas.com.br/celular-na-escola-vilao-ou-aliado-pedagogico/

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