terça-feira, 22 de setembro de 2015

Cibercultura e Mobilidade: a Era da Conexão

Não estamos na era da informação. Não estamos na era da Internet. Nós estamos na era das conexões. Ser conectado está no cerne da nossa democracia e nossa economia. Quanto maior e melhor forem essas conexões, mais forte serão nossos governos, negócios, ciência, cultura, educação...David Weinberger
Introdução
Estamos vivenciando profundas modificações no espaço urbano, nas formas sociais e nas práticas da cibercultura com a emergência das novas formas de comunicação sem fio. Duas formas técnicas e correlatos fenômenos sociais serão analisados aqui: as práticas com telefonia celular, que estão transformando o telefone móvel em um “controle remoto do quotidiano”, e as práticas de conexão à internet sem fio, conhecido como “Wi-Fi”, oferecendo novas dinâmicas de acesso e de uso da rede nas metrópoles contemporâneas. A partir dessas tecnologias de comunicação sem fio, analisaremos as práticas conhecidas como “smart mobs” e “flash mobs”. O que pretendemos mostrar é que a era da informação, caracterizada pela transformação de átomos em bits (Negroponte, 1995), pela convergência tecnológica e pela informatização total das sociedades contemporâneas (Castells, 1996) passa hoje por uma nova fase, a dos computadores coletivos móveis, que chamaremos aqui de “era da conexão” (Weinberger, 2003), caracterizando-se pela emergência da computação ubíqua, pervasiva (“pervasive computing”, permeante, disseminada) ou senciente3.


Cidade, cibercultura e conexão
A informatização da sociedade, que começa na década de 70 do século XX, parece já estar estabelecida nas principais cidades ocidentais desenvolvidas. O que está em jogo nesse começo de século XXI é o surgimento de uma nova fase da sociedade da informação, iniciada com a popularização da internet na década de 80, e radicalizada com o desenvolvimento da computação sem fio, pervasiva e ubíqua, a partir da popularização dos telefones celulares, das redes de acesso à internet sem fio (“Wi-Fi” e “Wi-Max”) e das redes caseiras de proximidade com a tecnologia “bluetooth”4. Trata-se de transformações nas práticas sociais, na vivência do espaço urbano e na forma de produzir e consumir informação. A cibercultura (Lemos, 2002) solta as amarras e desenvolve-se de forma onipresente, fazendo com que não seja mais o usuário que se desloca até a rede, mas a rede que passa a envolver os usuários e os objetos numa conexão generalizada.
O desenvolvimento da cibercultura se dá com o surgimento da micro-informática nos anos 70, com a convergência tecnológica e o estabelecimento do personal computer (PC). Nos anos 80-90, assistimos a popularização da internet e a transformação do PC em um “computador coletivo”, conectado ao ciberespaço, a substituição do PC pelo CC (Lemos 2003). Aqui, a rede é o computador e o computador uma máquina de conexão. Agora, em pleno século XXI, com o desenvolvimento da computação móvel e das novas tecnologias nômades (laptopspalms, celulares), o que está em marcha é a fase da computação ubíqua, pervasiva e senciente, insistindo na mobilidade. Estamos na era da conexão. Ela não é apenas a era da expansão dos contatos sobre forma de relação telemática. Isso caracterizou a primeira fase da internet, a dos “computadores coletivos” (CC). Agora temos os “computadores coletivos móveis (CCm)”. Podemos esboçar uma pequena cronologia.
Na primeira fase da micro-informática, nos anos 70-80, surgem os PC. Na segunda fase, com a decolagem da internet, surgem os CC, nos anos 80 e 90. Aqui a idéia é que os computadores sem conexão são instrumentos sub-aproveitados e que, na verdade, o verdadeiro computador é a grande rede. Agora, com o desenvolvimento das tecnologias móveis, o CCm estabelece-se com a computação ubíqua sem fio. Trata-se da ampliação de formas de conexão entre homens e homens, máquinas e homens, e máquinas e máquinas motivadas pelo nomadismo tecnológico da cultura contemporânea e pelo desenvolvimento da computação ubíqua (3G, Wi-Fi), da computação senciente (RFID5bluetooth) e da computação pervasiva, além da continuação natural de processos de emissão generalizada e de trabalho cooperativos da primeira fase dos CC (blogs, fóruns, chats, software livres, peer to peer, etc). Na era da conexão, do CCm, a rede transforma-se em um “ambiente” generalizado de conexão, envolvendo o usuário em plena mobilidade. Para W. Mitchell (Mitchell, 2003),
... nós entramos no mundo dos serviços de celulares GSM e G3, redes de áreas locais IEEE 802.11 a e 802.11 b (a ‘Internet wireless’), redes Bluetooth que substituem os cabos seriais e USB que vinham interconectando os aparelhos eletrônicos adjacentes, e redes de banda-larga UWB. (p. 48).
... a possibilidade de uma reinvenção radical, reconstrução de um tipo eletrônico de nomadismo emerge gradualmente de forma desorganizada mas irresistível, na extensão da cobertura wireless – uma forma que se fundamenta não somente no terreno que a natureza nos deu, mas na sofisticada e bem integrada infraestrutura wireless, combinada com outras redes e usadas efetivamente numa escala global (p. 57).
Em outro artigo mostramos como as cidades contemporâneas, pela sua relação estreita com as redes telemáticas, estabelece-se como uma cidade ciborgue (Lemos, 2004). A cidade é desde sempre artefato, e a particularidade atual está na sua relação estreita com as redes telemáticas. As tecnologias digitais, e as novas formas de conexão sem fio, criam usos flexíveis do espaço urbano: acesso nômade à internet, conectividade permanente com os telefones celulares, objetos sencientes que passam informações aos diversos dispositivos, etiquetas de rádio freqüência (RFID) que permitem o “tracking” de objetos, equipamentos com bluetooth que criam redes caseiras, etc. Os impactos estão se fazendo perceber a cada dia. A cidade contemporânea torna-se, cada vez mais, uma cidade da mobilidade onde as tecnologias móveis passam a fazer parte de suas paisagens (Furtado, 2002; Puglisi1999; Horan, 2000).
Das formas de isolamento e fragmentação da vida moderna, a introdução de tecnologias móveis estão nos levando a um re-exame do que significa proximidade, distância e mobilidade. Define-se mobilidade como o movimento do corpo entre espaços, entre localidades, entre espaços privados e públicos. Parece que novas práticas do espaço urbano surgem com a interface entre mobilidade, espaço físico e ciberespaço, como veremos adiante. As conseqüências devem interessar os estudiosos da comunicação, do urbanismo e da sociologia, sem falar no desenvolvimento técnico dos aparelhos. Como afirmam Cooper, Green, Murtagh e Harper (2002),
... quando pensamos no impacto empírico do fenômeno dos celulares/aparelhos móveis na vida cotidiana, nós descobrimos que a sociologia e a filosofia contém termos que parecem apropriados, mas que têm ou tiveram algumas conotações diferentes: por exemplo, mobilidade social, a problematização da distinção entre público/privado , a transformação estrutural da esfera pública, a metafísica da presença, o fonocentrismo, e, claro, a mobilidade imutável (p. 288).
Nessa interface das cidades contemporâneas com as novas tecnologias de comunicação e informação, desde a gestão do planejamento urbano, até as práticas corriqueiras do quotidiano como terminais públicos, telefonia celular, smart cards, surgem as diversas facetas da era da conexão. A mobilidade é vista como a principal característica das tecnologias digitais. As tecnologias móveis,
…são vendidas na promessa de propiciar uma conexão a ‘qualquer hora’ e em ‘qualquer lugar’, tanto através de voz ou dados. Os anúncios apresentam as tecnologias móveis como capazes de transcender as ‘limitações’ geográficas e de distância, incluindo as diferenças geográficas nos locais de trabalho e demais atividades (2002, p. 296).
A era da conexão é a era da mobilidade. A internet sem fio, os objetos sencientes e a telefonia celular de última geração trazem novas questões em relação ao espaço público e espaço privado, como a privatização do espaço público (onde estamos quando nos conectamos à internet em uma praça ou quando falamos no celular em meio à multidão das ruas?), a privacidade (cada vez mais deixaremos rastros dos nossos percursos pelo quotidiano), a relação social em grupo com assmart mobs, etc. As novas formas de comunicação sem fio estão redefinindo o uso do espaço de lugar e dos espaços de fluxos (Castells, 1996). Nas cidades contemporâneas, os tradicionais espaços de lugar (rua, praças, avenidas, monumentos) estão, pouco a pouco, transformando-se em espaços de fluxos, espaços flexíveis, comunicacionais, “lugares digitais” (Horan, 2000). Em relação às formas de comunicação móveis, podemos dizer que,
... uma reconfiguração do espaço e tempo está aparecendo, uma reconfiguração que implica que a forma e o propósito da comunicação definem o ‘publico’ e ‘privado’, e não o espaço no qual a comunicação acontece (Cooper, Green, Murtagh, Harper, 2002, p. 295).
Era da conexão: cultura móvel e práticas da mobilidade
As práticas contemporâneas ligadas às tecnologias da cibercultura têm configurado a cultura contemporânea como uma cultura da mobilidade. Vários autores mostraram como as sociedades contemporâneas estão imersas em um processo de territorializações e desterritorializações sucessivas (Deleuze e Guattari, 1986), de práticas nômades e tribais, tanto em termos de subjetividade como de deslocamentos e afinidades (Maffesoli, 1997); de reconfiguração dos espaços urbanos (Mitchell, 2003; Horan, 2000; Meyrowitz, 2004) e de constituição de uma sociologia da mobilidade (Urry, 2000; Urry, 2003, Cooper, Green, Murtagh, Harper, 2002). No que se refere às novas tecnologias em interface com o espaço público, a idéia de mobilidade é central para conhecer as novas características das cidades contemporâneas.
As ciências sociais, incluindo aí as ciências da comunicação, devem empreender esforços para compreender as transformações atuais que colocam em sinergia mobilidade e tecnologias de comunicação sem fio. As novas tecnologias digitais sem fio trazem à tona a era da ubiqüidade, cuja origem está nos trabalhos de Mark Weiser. Seu trabalho pioneiro, de 1991, lançou as bases do que ele chamou de “Ubicomp”, ou computação ubíqua. Para Weiser a “Ubicomp”, “takes into account the natural human environment and allow computers themselves “to vanish into the background” (Weiser, 1991:1). A idéia da computação ubíqua é de agir de forma oposta à tecnologia de realidade virtual (RV), que necessita da imersão do usuário no mundo simulado em 3D por computadores. Na “Ubicomp” de Weiser, é o computador que desaparece nos objetos. Como afirma o autor na abertura do seu visionário artigo, “the most profound technologies are those that disappear. They weave themselves into the fabric of everyday life until they are indistinguishable from it” (Weiser, 1991). Estamos hoje na era da conexão em que a “Ubicomp” profetizada por Weiser torna-se uma realidade. Esta é, verdadeiramente, a computação do século XXI, da era da conexão. Trata-se de colocar as máquinas e objetos computacionais imersos no quotidiano de forma onipresente6.
Exemplos dessa computação ubíqua tornam-se evidentes: objetos que trocam informações por redes bluetooth ou RFID, o uso de telefones celular como uma espécie de “teletudo”, a expansão das redes Wi-Fi que faz com que a rede envolva os usuário. Projetos em cidades estão em expansão (“Amble Time”, “Sonic City”, “Tejp”, “Texting Glances”, “Urban Tapistries”), e mostram bem essa transição (Galloway, 2003). Trata-se, efetivamente, de uma fusão, do surgimento de práticas híbridas entre o espaço físico e o espaço eletrônico. Essa nova configuração vai disseminar práticas de nomadismo tecnológico onde as tecnologias tornam-se cada vez mais pervasivas, transparentes e ubíquas. A era da conexão configura a cultura da mobilidade contemporânea.
É nesse sentido que J. Meyrowitz fala de uma volta à cultura nômade primitiva, transformando-nos em “global nomads in the digital veldt” (Meyrowitz, 2004). O ponto central da argüição de Meyrowitz é que o mundo atual, marcado pelas tecnologias móveis e pelas diversas formas de flexibilidade social, está colocando a cultura contemporânea numa forma de organização social mais fluida, com papéis menos rígidos e lugares sociais intercambiáveis que se aproxima em muito da forma social dos primeiros agrupamentos humanos. Para Meyrowitz, com desenvolvimento da era da conexão,
De várias maneiras, nós retornamos a experiências semelhantes e aos papéis imprecisos dos nômades. Mais uma vez, nós enfrentamos a dificuldade de escapar uns dos outros. De fato, é cada vez mais difícil separar uma esfera social da outra, uma atividade da outra, uma área de conhecimento e experiência da outra (Meyrowitz, 2004.p.25).
Embora a tese seja controversa, o que nos interessa aqui é o reconhecimento da mobilidade enquanto figura central para compreender a cibercultura e a comunicação contemporâneas. Isso nos leva à necessidade de análise dessa sociedade da mobilidade, tendo que buscar a construção do que o sociólogo inglês John Urry chama de uma “mobile sociology” (Urry, 2000).
As diversas formas de mobilidade contemporâneas (de pessoas, de objetos, de informação, de dejetos, de produtos e de serviços) exigem esforços de compreensão por parte das ciências sociais. Para Urry, passamos efetivamente do dilema do “social como sociedade” (polêmica central do campo sociológico), para termos que pensar no novo paradigma do “social como mobilidade”. Esse esforço deve ser empreendido, já que a sociedade da mobilidade se configura como um fluxo internacional de imagens, informação, migrações, turismo, fluxo de capital financeiro, que nos coloca em meio a uma sociedade dos fluxos planetários (Castells, 1996). A era da conexão acelera essa mobilidade ambiente. As novas tecnologias de comunicação e informação são os vetores principais desse fluxo generalizado e dessa circulação virótica de informação, dinheiro, pessoas, produtos e processos - o que é uma radicalização do processo de globalização que se inicia com as grandes navegações do século XVI.
Esses fluxos globais já haviam sido detectados por pensadores como Deleuze (1986), Lefebvre (1986), Augé (1995), Sasken (2001), Castells (1996), Graham e Marvin (1996), Wheeler, J.O, Aoyama, Y. e Warf, B. (2000), entre outros, trazendo a idéia de que pensar a sociedade é pensar em termos de territorializações e desterritorializações, em termos de mobilidade urbana, de não lugares intercambiáveis, de cidades globais. A metáfora que mais se aproxima do estado social atual é a da sociedade em rede. Para Castells, “networks constitutes the new social morphology of our societies, and the diffusion of networking logic substantially modifies the operation and outcomes in process of production, experience, power and culture...”(Castells, 1996, p. 469).
Para Urry, essa sociedade complexa e móvel exige um pensamento em movimento, complexo, fluido e desterritorializado para que possa dar conta das pequenas perturbações no sistema, conseqüência do uso das tecnologias móveis e das práticas contemporâneas de flexibilidade social, típicas da chamada pós-modernidade. A sociologia, e as ciências da comunicação em particular como uma ciência social aplicada, devem encarar o desafio de pensar “new agendas for a discipline that is losing its central concept of human society. It is a discipline organized around networks, mobility and horizontal fluiditics...intellectual mobilities are good for the social sciences”. (Urry, 2000, p. 200). A partir desse desafio epistemológico é que podemos tentar compreender as práticas sociais advindas da sociedade e da cultura da mobilidade. O telefone celular é o “teletudo” do novo nômade da era da conexão.

Para ler e saber mais procure em: http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n41/alemos.html

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