quarta-feira, 23 de setembro de 2015

OS SENTIDOS DA FORMAÇÃO HUMANA NA CIBERCULTURA: entendendo a subjetivação do adulto a partir do olhar de pesquisadores da cultura digital

INTRODUÇÃO

A questão do que seja o mundo em que vivemos e a constituição epistemológica do sujeito, torna-se, novamente, a questão par excellence da pesquisa científica na contemporaneidade. Na atualidade a subjetivação humana acontece, inevitavelmente, pelo fluxo das infinitas informações, transformações e, sobretudo, por uma inegável impossibilidade de cristalização de saberes, fruto das transformações sócio-históricas e culturais sem precedentes nas sociedades hodiernas: a passagem da sociedade industrial para a sociedade pós-industrial em que a tecnocultura passaria a coabitar na cibercultura. Assim, a condição epistemológica a qual estamos sendo submetidos é fruto de posicionamentos e proposições divergentes de subjetivação e concretização da realidade sócio-histórica e cultural no ocidente. Decorre deste movimento epistemológico, que a formação da subjetividade humana e a constituição da realidade pereceu, cedendo lugar a um novo paradigma de subjetivação dos sujeitos e de constituição da realidade que se dão segundo uma lógica argumentativa, dualista, múltipla, instável e dialógica. Esta mudança de orientação quanto à apreensão dos aspectos epistemológicos formadores da subjetividade humana e constituidores da realidade sócio-histórica e cultural, produziria um impacto profundo na lógica idealista/racionalista e instrumental da modernidade. Pois, afeita a uma lógica instrumental, a epistemologia moderna ao se propor como única possibilidade de emancipação e de maioridade do sujeito moderno, o impôs a navegar por um único rio, um único caminho formativo: o das formas da consciência moderna (o eu, a pessoa, o cidadão e o sujeito epistemológico). O paradigma formativo da modernidade estaria, portanto, fundamentado em uma estrutura de controle social caracterizada por uma conjuntura de fatores que resultariam na consolidação da tecnocultura: “[...] uma dominação técnica do social, [...] um individualismo exacerbado, [...] um constrangimento social exercido por uma moral burguesa e uma ética da acumulação, [...] [e] uma abordagem racionalista do mundo” (LEMOS, 2008, p. 16) que lançaria e esgotaria ao mesmo tempo o sonho tecnológico (LEMOS, 2008, p. 16) da sociedade moderna. Hoje, contudo, estamos vivendo no torverlinho de uma radical mudança de eras, a  passagem da era moderna para a era pós-moderna, ou ainda, a transformação da sociedade industrial, “o paraíso de Apolo” em sociedade pós-industrial, em sociedade de informação e comunicação “o teatro de Dionísio”, como bem expressou Lemos (2008, p. 18). A vida social contemporânea necessitaria de uma nova perspectiva epistemológica que ultrapasse a lógica idealista/racionalista e instrumental moderna, uma vez que vivemos em um mundo em que a tônica é um “[...] movimento caótico e sempre inacabado entre as formas técnicas e o conteúdo da vida social. Pois, [...] a tragédia da cultura está ligada ao processo dialógico entre as formas e os conteúdos; entre a subjetivação do objeto e a objetivação do sujeito” (LEMOS, 2008, p. 17). Neste teatro dionisíaco em que se configura o nosso tempo e espaço fluidos e líquidos, um novo paradigma epistemológico surge, como igualmente emergem novos processos de subjetivação, e uma constituição da realidade que vem sendo consolidada por meio da coabitação da tecnocultura na cibercultura e, com isto, fazendo surgir outras possibilidades de formação dos sujeitos no pós-industrial. Em meio a este cenário, investigamos como os pesquisadores, que estudam a cibercultura, compreendem o sentido de formação e o processo de subjetivação dos sujeitos adultos, na educação formal, em meio à cultura digital. Para que possamos expor os resultados da pesquisa faremos uma breve apresentação da análise dos dados arrolados, cumprindo as seguintes etapas: (1) apresentar os pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa; (2) discorrer sobre os resultados da análise dos enunciados do discurso dos sujeitos da pesquisa.

 O OLHAR DOS PESQUISADORES:

resultados da pesquisa Na análise dos enunciados do discurso dos sujeitos da pesquisa objetivamos analisar o discurso dos pesquisadores que investigam a temática da cibercultura por meio de entrevistas 7 dialogadas. Foram doze sujeitos de pesquisa (SP), pesquisadores de instituições renomadas e que possuem um significativo envolvimento com a pesquisa institucional e com a produção científica referencial e própria sobre a problemática da cibercultura. Os SP participaram por meio de uma das modalidades de entrevistas propostas: (1) entrevistas presenciais; (2); entrevistas assíncronas - via e-mail; (3) entrevistas síncronas – via Skype. A abordagem genealógica articulada à análise do discurso nos propiciou buscar enunciados que se entrecruzassem, se coabitassem, se territorializassem e se desterritorializassem em um jogo de forças enunciativas no devir, no acontecimento. Neste sentido, nos propusemos fazer aflorar contradições, diferenças, apagamentos, e esquecimentos deixando aflorar a heterogeniedade que subjaz a todo discurso, na tentativa de encontrarmos possíveis unidades enunciativas do discurso, encontradas por meio da associação de campos discursivos, a que chamamos de análitica dos enunciados, e que tomou os critérios de análise crítico e genealógico como parâmetros de investigação dos enunciados do discurso. Resultou deste processo, para efeito de análise dos enunciados, dois pares de unidades enunciativas de análise: (1) Cibercultura/Ciberespaço e (2) Formação/Subjetividade. A analise dos enunciados dos SP em relação à cibercultura/ciberespaço, resultou na verificação da heterogeneidade e convergência discursiva. Os dados apontaram para a compreensão da cibercultura como cultura, ou seja, aquela que não se trata de uma cultura apartada da sociedade. Destarte, os SP trouxeram características para o vivido na cibercultura e no ciberespaço, tais como: reciprocidade comunicacional (SP1), cultura da virtualidade (SP10), produção humana mediada por artefatos tecnológicos em rede, o fazer produção e sentido por meio da convergência de linguagens e de mídias (SP3), um novo conceito social virtual, lógica operacional da época (SP5), muito mais a época do vazio do que de um acúmulo de culturas e de superposição de culturas (SP6). Os sujeitos SP3, SP8 e SP11 sinalizaram, em convergência com outros, a questão do movimento social e cultural da cibercultura, apontando que, apesar da lógica perversa e consumista prevalecer no seio do cibercultura, há uma transformação latente e contínua no interior do ciberespaço que ao mesmo tempo o territorializa e desterritorializa, a qual Santaella (2010) chamou de inteligência evolutiva das mídias: uma inteligência evolutiva que opera no interior das transformações. Os achados ainda apontam para a importância de estabelecermos melhores condições políticas e formativas para que a educação entenda e assuma, de fato, o advento da cibercultura, como condição propícia à produção/criação do conhecimento, das transformações sociais e culturais da contemporaneidade. Mesmo considerando a cibercultura como cultura, como parte integrante das condições sócio-históricas, na atualidade, temos que 8 suspeitar dos condicionantes e ingredientes que a operam, uma vez que a cibercultura é uma fase atual do capitalismo tardio, ou pós-industrial. Sendo uma demanda das condições de atualização do próprio capitalismo, pode imprimir situações desfavoráveis à formação e à subjetivação do sujeito adulto. “Sempre você tem um paradoxo, uma tensão posta. De um lado, a planificação das relações sociais, de outro lado, a possibilidade de você imergir em culturas diferentes, de você consolidar mais a sua existência” (SP8). A cibercultura traz uma outra perspectiva do pensamento, uma outra discursividade que enuncia o real por meio de uma visão ecológica do mundo e da vida. No pós-industrial temos que a “ecologia cognitiva localiza mil formas de inteligência ativa no seio de um coletivo cosmopolita, dinâmico, aberto, percorrido de individuações auto-organizadoras locais e pontuado por singularidades mutantes” (LÉVY, 1993, p. 1490), próprio das operações formativas em redes rizomáticas. Ao analisarmos os enunciados em relação à formação/subjetividade, emergiram da tensão do interdiscurso dos SP, uma infinidade de possibilidades argumentativas e teóricas. Os enunciados apontaram para a importância de entendermos a formação como um processo de humanização em que a principal característica desta perspectiva é a criação de valores éticos para a vida em sociedade: “formação é um conceito que faz parte da dimensão do humano, dos relacionamentos, das trocas, interações mediadas por signos culturais” (SP8), “relação da diversidade, pluralidade, multiculturalidade, multirreferencialidade” (SP1), “A formação na cultura digital não é algo exclusivo dos processos didáticos e pedagógicos, não é algo exatamente ensinável, mas é algo essencialmente experiencial” (SP3). A formação na cultura digital requer que os sujeitos, imersos em suas práticas sociais, em suas experiências de vida e em suas relações com o ciberespaço se tornem sujeitos engajados em um processo de criação e produção de saberes na cibercultura, permeado por instâncias e tecidos sociais numa perspectiva dialética. Ou seja, o sujeito se constitui, emancipa-se e atinge a autonomia quando incorpora em sua vida prática, em suas práticas sociais, o digital em rede – cultura de seu tempo. Este fato promove a compreensão de que o processo formativo tem que levar em conta as experiências e vivências dos sujeitos, a fim de que se possa atingir uma cultura elevada – no sentido nietzscheano - , uma formação ampla, integradora, cultural, porque aberta, colaborativa, coautoral e dialógica; uma formação no sentido ontológico em que o indivíduo que se forma o faz em relação ao outro, às coisas, à cultura em uma nova ecologia cognitiva, uma nova ecologia pluralista da comunicação. A subjetivação acontece na relação da subjetividade individual com a subjetividade social (GONZALES REY, 2003) da cibercultura, uma vez que a formação e a subjetivação na cultura digital estão situadas na condição de o sujeito interagir com os dispositivos digitais, subjetivando-se por meio da relação das 9 subjetividades individual e social na cibercultura. Contudo, existe a noção de subjetividade fragmentada que pode ocorrer em função de estarmos diante de uma volatilidade da subjetividade presente na cultura digital que é a expressão da pluralidade de subjetividades no ciberespaço. Há, também, uma discrepância entre os educadores e os educandos. Os educandos são os sujeitos imersivos que incorporam às suas experiências e vidas a subjetividade social da cibercultura, o que permite promover a subjetividade individual emancipada e autônoma. Já os educadores afastam-se da subjetividade social da cibercultura com uma posição de indiferença aos seus aspectos formativos, não atingindo a subjetivação necessária para se situarem em uma posição de autonomia e emancipação do sujeito. A formação e a subjetivação do sujeito na cibercultura, portanto, é um processo de aceitação e incorporação das senhas infotécnicas da cultura digital, da subjetividade social da cibercultura. Concluímos que a pesquisa sinalizou fortemente que estamos iniciando as discussões acerca do sentido de formação e subjetivação na cibercultura e, como enunciado pelos sujeitos da pesquisa, há muitos pontos favoráveis em relação ao objeto desta investigação, mas há, também, tensões a serem compreendidas, exploradas e contextualizadas. Apreendemos que, diante da complexidade e do paradoxal estado de coisas que constituem a cibercultura, temos que entendê-la como parte integrante da cultura e da vida, efeito da própria produção e criação humana na realidade sócio-histórica. De outro modo, temos que caminhar em direção a uma nova educação, um sentido de formação integral. Diante disto, é necessário que uma outra perspectiva formativa seja incorporada à educação, em que as subjetividades individual e social se atravessem e se integrem, de modo a provocar a reorganização do currículo para a era digital como meio para se atingir o objetivo maior da educação, que é a formação de “espírito superior”, conforme preconiza Nietzsche (1993). A subjetivação acontece por meio da ciberaculturação, em uma multiplicidade de relações em redes rizomáticas que propiciam ao sujeito adulto humanizar-se para que possa reinventar-se e criar/produzir conhecimentos, imerso na cibercultura e, como sugerido, reinventando-se em um sujeito dromoapto (SP8), ou seja, capaz de ser veloz, ser hábil, ser ágil no trato dos ingredientes tecnológicos dessa nova época, nas redes rizomáticas de conhecimento. Diante destas unidades enunciativas do discurso é que esperamos poder vislumbrar, em outras etapas da pesquisa, alterações significativas nas relações, produções, criações, significações e sentidos das ações humanas na cibercultura.

Para ler e saber mais: https://anpedsudeste2014.files.wordpress.com/2015/07/octavio-silvc3a9rio-de-souza-vieira-neto-adriana-rocha-bruno.pdf

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